19 de nov. de 2010

Ah, se não fosse a realidade!


Ferreira Gullar, na Folha de São Paulo

Dilma está eleita e, a partir de 1º de janeiro de 2011, será a presidente do Brasil. Nunca imaginou que isso pudesse acontecer, nunca sonhou com isso, nunca o desejou e, não obstante, terá em breve, nas mãos, o mais alto posto político do país. Um milagre? Um passe de mágica? Se pensamos assim, o mago é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Inicialmente, apesar de sua indiscutível popularidade, dava a impressão que superestimara seu prestígio, não iria elegê-la.

De fato, como acreditar que uma mulher que nunca se candidatara a nada, destituída de carisma e até mesmo de simpatia, fosse capaz de derrotar um candidato como José Serra, dono de uma folha de serviços invejável, tanto como parlamentar quanto como ministro de Estado, prefeito e governador? Não obstante, aconteceu. Para espanto meu e de muita gente mais, 56% dos eleitores preferiram votar em alguém que eles mal conhecem do que eleger um político conhecido de todos, contra o qual não pesa qualquer suspeita ou acusação desabonadora. E por que o fizeram? Porque o presidente Lula mandou.


E não foi só o pessoal mal informado que recebe Bolsa Família, não. Empresários, banqueiros e intelectuais famosos também apoiaram sua candidatura, porque Lula mandou. Mas não estou aqui para chorar sobre o leite derramado e, sim, para tentar ver o que pode acontecer em consequência disso. Advirto o leitor de que não parto do princípio de que vai dar tudo errado, que o governo de Dilma Rousseff está condenado ao fracasso. Nada disso. Como muita gente, diante desse fato inusitado, nunca visto na história brasileira, pergunto: e agora?


Sempre se faz tal pergunta quando um presidente da República, seja ele quem for, assume o mandato. Ocorre que, pela primeira vez, pouco se sabe da pessoa eleita e, mais que isso, eleita porque alguém mandou. A pergunta que está na cabeça de todos -dos que votaram contra e dos que votaram a favor- é: quem vai governar, ela ou Lula? É uma questão razoável, não só porque ela nunca governou nem mesmo um município, como porque Lula, sabendo disso, deve temer pelo que venha a fazer. E temerá, com razão, já que o fracasso dela, como governante, será debitado inevitavelmente na conta dele, responsável pela mágica que a pôs na Presidência da República.


Estará, assim, criada uma situação também inédita na história do poder central do Brasil: como Dilma não é responsável por ter sido eleita -e ocupar o lugar que só não é do Lula porque a lei não permite uma segunda reeleição-, talvez não possa fazer no governo senão o que for aprovado por ele. Isso lembra, até certo ponto, a situação vivida por Cristina Kirchner, eleita presidente da Argentina graças à popularidade do marido, Néstor Kirchner, recentemente falecido. Enquanto vivo, era ele quem governava, sem maiores vexames para ela, uma vez que, casados, podiam até na cama discutir e acertar as medidas governamentais que ela tomaria no dia seguinte.


Já o caso de Lula e Dilma será mais complicado, pois ninguém imagina que ele deixe dona Marisa dormindo em São Bernardo para instalar-se na alcova da presidente Dilma, no palácio da Alvorada. Nem se acredita, tampouco, que optem por um relacionamento clandestino para, em encontros secretos, disfarçados -ele de peruca loura e ela vestida de homem, bigode e barbas-, discutirem a volta da CPMF ou o que fazer com o MST.


Fora daí, o jeito seria divorciar-se e casar com Dilma, mas tendo o cuidado de deixar claro que se tratou de uma paixão repentina, fulminante, e não de um romance secreto que só então veio à tona. Tal solução tem o perigo de manchar a reputação dos dois, por oferecer aos maldosos a chance de sussurrar que a candidatura de Dilma teria origens sexuais. É risco demais, não dá.


A alternativa, então, talvez seja Dilma nomeá-lo chefe da Casa Civil, lugar antes ocupado por ela. Minha dúvida é se Lula, que se acredita o maior estadista brasileiro de todos os tempos, aceitaria função tão subalterna, especialmente depois dos escândalos que envolveram Erenice Guerra, a substituta de Dilma no cargo. É problema dele. Apenas constato que, se é fácil, com truques mágicos, fazer acontecer o impossível, difícil é resolver os problemas reais.

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